Monte da Fé

06-06-2017

Agora que se retiraram os fiéis

De cânticos e preces em teu louvor

Eis que me encontro diante de ti,

Estátua muda erigida sobre o monte.

Percorri os teus domínios,

Calcorreei todo o santuário

E talvez não tenhas notado

Que observei atentamente

As árvores, as flores, os insectos

E a humanizada paisagem

Ao longo do grande rio.

Cães ladram ao longe.

Na ausência de orações já posso ouvi-los

E às ambulâncias que transportam doentes e aflitos.

Elevei os olhos ao céu várias vezes.

Aviões sobrevoaram-nos,

Vindos não sei de onde,

Idos não sei para onde.


Não conspurquei o teu espaço.

A minha presença mal terá sido notada.

Todo o meu silêncio, porém,

Foi incapaz de calar os pensamentos.

Mesmo quando os meus lábios se moveram

Nos refrões dos cânticos,

Na adesão espontânea à musicalidade,

Em nenhum momento renunciei à reflexão.

Os fiéis retiraram-se ordeiros

E somente então vi, nalguns,

O mesmo gesto de acender o cigarro

Que, algumas vezes, repeti aqui.


Espero que possas permanecer, altiva,

Para aconchego de quem te necessita

E que aceites a intromissão discreta

Dos que são como eu.

Espero que as orações que te foram dirigidas

Possam aquecer os corações.

Espero que os doentes das ambulâncias

Encontrem cura ou alívio.

Espero que os passageiros dos aviões

Cheguem aos seus destinos.

Espero que as beatas sejam colocadas

Onde tive o cuidado de por as minhas.

E nada mais espero agora,

Além do que me trouxe aqui.


Uma pequena aranha sobe-me pelo braço

E sopro-a, com delicadeza.

Uma fina teia afasta-a com a brisa.

Levanto-me e fixo-te o rosto, uma última vez

E não sei qual dos dois, se o teu ou o meu,

Estará agora mais pétreo.

Mas o meu coração bate, morno,

Dentro do peito.

Ouso levantar o braço num aceno

Porque não há ninguém a ver.

Sabia que não retribuirias o gesto

E despeço-me de ti a sorrir comigo.

Os pássaros chilreiam. É primavera!

Agradeço aos homens que te erigiram

O benefício de haver lugares como este,

Onde o sossego acolhe quem chega

E os espíritos aquietam-se com a fé que houver.

A Natureza respira acima do caos urbano

E há sopros, delicados, quase imperceptíveis,

Que nós impelem para mais um voo.

[ © Paulo Ricardo Moreira ] In "AINDA DO SER"  

© 2017 Paulo Ricardo Moreira
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