Monte da Fé
Agora que se retiraram os fiéis
De cânticos e preces em teu louvor
Eis que me encontro diante de ti,
Estátua muda erigida sobre o monte.
Percorri os teus domínios,
Calcorreei todo o santuário
E talvez não tenhas notado
Que observei atentamente
As árvores, as flores, os insectos
E a humanizada paisagem
Ao longo do grande rio.
Cães ladram ao longe.
Na ausência de orações já posso ouvi-los
E às ambulâncias que transportam doentes e aflitos.
Elevei os olhos ao céu várias vezes.
Aviões sobrevoaram-nos,
Vindos não sei de onde,
Idos não sei para onde.
Não conspurquei o teu espaço.
A minha presença mal terá sido notada.
Todo o meu silêncio, porém,
Foi incapaz de calar os pensamentos.
Mesmo quando os meus lábios se moveram
Nos refrões dos cânticos,
Na adesão espontânea à musicalidade,
Em nenhum momento renunciei à reflexão.
Os fiéis retiraram-se ordeiros
E somente então vi, nalguns,
O mesmo gesto de acender o cigarro
Que, algumas vezes, repeti aqui.
Espero que possas permanecer, altiva,
Para aconchego de quem te necessita
E que aceites a intromissão discreta
Dos que são como eu.
Espero que as orações que te foram dirigidas
Possam aquecer os corações.
Espero que os doentes das ambulâncias
Encontrem cura ou alívio.
Espero que os passageiros dos aviões
Cheguem aos seus destinos.
Espero que as beatas sejam colocadas
Onde tive o cuidado de por as minhas.
E nada mais espero agora,
Além do que me trouxe aqui.
Uma pequena aranha sobe-me pelo braço
E sopro-a, com delicadeza.
Uma fina teia afasta-a com a brisa.
Levanto-me e fixo-te o rosto, uma última vez
E não sei qual dos dois, se o teu ou o meu,
Estará agora mais pétreo.
Mas o meu coração bate, morno,
Dentro do peito.
Ouso levantar o braço num aceno
Porque não há ninguém a ver.
Sabia que não retribuirias o gesto
E despeço-me de ti a sorrir comigo.
Os pássaros chilreiam. É primavera!
Agradeço aos homens que te erigiram
O benefício de haver lugares como este,
Onde o sossego acolhe quem chega
E os espíritos aquietam-se com a fé que houver.
A Natureza respira acima do caos urbano
E há sopros, delicados, quase imperceptíveis,
Que
nós impelem para mais um voo.
[ © Paulo Ricardo Moreira ] In "AINDA DO SER"