Peneda
Há regatos,
pedras e tojos
Nas montanhas e vales
De ti próprio!
Há sabedoria e história,
Sangue que se perpetua
Nos ensinamentos intemporais
Da serra agreste!
Há um santuário...
E há o que eriges,
Feito de inabalável fé,
Com sinos que dobram
Nos ecos das tuas noites!
Há uma casa onde repousas
E sobre o chão que pisas
A madeira estala como outrora...
E sabes que a fome já percorreu os caminhos
Do vento que penetra as mesmas frestas
Da tua relativa abundância!
Há amor que se revela
E que reveste toda a paisagem
Do deslumbre dos teus olhos!
E há sepulturas no socalco,
Onde descansam os guerreiros
Do legado que usufruis!
E tu és tão pequeno,
Por saberes-te indigno
Da herança que recebes e que hás de transmitir!
Há pequenos desconfortos,
Sombras dos penedos das dificuldades
De quem trilhou percursos de humildade!
E tens uma truta no rio,
Sabes que há lobos que não vês,
Pequenas rãs em visitação do tanque,
Peregrinos que chegam,
Emigrantes que regressam para partir e a seguir voltar,
Para manter viva a aldeia
Que viveria para sempre sem ninguém!
Tens filhos seguros pelas mãos,
As mesmas mãos reencarnadas
Nos trilhos que percorres com vontade
Onde antes havia sacrifício!
E bem sabes que isso tudo és tu,
Que carregas por dentro as fragas,
Que as brandas dos verões
Alternam-se com as inverneiras,
Que a liberdade do gado
Contrasta com a prisão dos homens
Das cidades que habitas!
E tens as tuas referências,
Um céu que transparece estrelas normalmente ocultas,
O silêncio que te obriga a ouvir-te,
As pequenas coisas que tornam a vida enorme!
O rio preenche-te por tão pequeno
E não há mar que te chegue...
Porque tu és aldeia,
Porque derretes ao Sol,
Porque tremes de frio,
Porque te molhas com a chuva miudinha
Que te envolve no nevoeiro cerrado
E, bem sabes, que acima de ti,
Há montanhas que fantasias
Bem mais altas do que realmente são!
E tu és lobo e truta,
És gado que percorre o monte,
És rã que visita o tanque,
Peregrino e emigrante!
Há regatos, pedras e tojos
Nas montanhas e vales de ti próprio!
E haverá crianças da ria e do mar
Feitas de serra por dentro!
A terra pai fecunda gerações...
Insemina corações!
E tu bem sabes que és pouco,
E tu bem sabes que és louco,
Por seres do Mundo e da aldeia...
Há um santuário que eriges
Nas montanhas de amor,
Onde somente tens de regressar
Para te relembrares das pedras que permanecem!
Bases firmes do passado,
Terra onde assentas os pés
Para elevar os olhos ao céu do teu próprio futuro!
[ © Paulo Ricardo Moreira ] In "SER"